Encontro de si mesmo
“O coração humano anseia por conforto alcançado somente através de enlevos e lenitivos”.
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Saí para fazer o meu passeio da tarde no parque perto do bairro onde moro. Era uma bela tarde ensolarada, serena e convidativa a reflexões. As pessoas andavam descontraídas ao som da algazarra que os pássaros faziam ao pegar no ar insetos que voavam em debandada juntos à folhagem das árvores que perdiam suas folhas secas coloridas. Era um outono alegre e luminoso numa paisagem que transbordava douradas manifestações contemplativas.
No parque, salpicado de folhas caídas da estação, há uma senhora de cor sentada em uma das extremidades de um banco de madeira com um olhar estático parecendo perdida numa prisão de desalento.
Pedi licença e me sentei ao seu lado. Estava um pouco constrangido e, confesso que não me sentia bem à vontade. Estava bem visível ali, um contraste de duas cores bem distanciadas.
Passados alguns minutos, olhei para a senhora e notei que chorava. Penalizado com aquele momento, enchi-me de coragem e, num gesto compassivo e de ousadia perguntei: – Por que tu choras ?
Ela, em um tom de languidez, isenta de cerimoniais respondeu com uma voz acidulada e malsoante:
– Choro!… Choro, porque não tenho ouro e nem prata! E, continuou…
– Se eu tivesse ouro, compraria uma casa bem grande e encheria de móveis de madeira nobre. Colocaria cortinas floridas acetinadas de linho do Egito em todas as janelas e, mandaria construir um jardim só com flores holandesas coloridas e bem vistosas.
– Ah, se eu tivesse prata compraria belos vestidos, muitas joias, um relógio cravejado de diamantes e só usaria perfumes de bálsamos franceses.
– Se eu tivesse ouro, viajaria pelo mundo todo conhecendo os lugares mais lindos e só frequentaria restaurantes de chefs famosos.
– Ah, se eu tivesse prata não deixaria ninguém passar fome nem dificuldades em toda esta grande cidade.
– Se eu tivesse ouro, compraria um belo carro e andaria por todos os lugares da cidade acenando às pessoas de todas as cores e idades.
– Ah, se eu tivesse prata recolheria todos os desabrigados e não deixaria ninguém passar frio no inverno.
– Mas!… não tenho ouro e nem prata! Por isso só me resta chorar como se estivesse presa em uma masmorra de uma solitária numa ilha esquecida, perdida.
– Habito um universo de ausências onde à noite, todos dormem e, eu permaneço acordada. Minha única companhia, na madrugada, é um vento frio que assobia nos meus ouvidos trazendo cochichos de horizontes longínquos e agitados.
– Sou escrava de quatro paredes rachadas e manchadas de desilusões, prisioneira de meus entes que se mantêm à distância.
– Na hora em que me tranco no meu quarto, num barraco de madeira, tentando dormir, fico à espreita de um visitante que ronda a minha casa e que, nem sei se é real ou se urdido pela minha fadigada solidão.
– Eu, distante de uma situação como esta, fiquei em silêncio, completamente desarmado diante daquele desabafo sublime e lacrimoso. A senhora foi embora. Logo depois eu também fui embora. Não pude esquecer este cenário. Isto me tocou profundamente e pude ter a certeza de que a vida esconde muita crueldade.
– No dia seguinte, quase no mesmo horário me encontro sentado no mesmo banco e, logo chega aquela senhora desafortunada que me deixou impactado.
Pediu licença e, sentou-se em silêncio ao meu lado. Eu também fiquei em silêncio. Poucos minutos depois olhei para a senhora que estava bem descontraída. Ela sorriu e, eu lhe perguntei sem temeridade:
– Porque tu sorris? Ela respondeu desta vez com a voz serena, airosa e resoluta:
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