Memórias de um velho banco de madeira
“O coração humano anseia por conforto alcançado somente através de enlevos e lenitivos”.
A Passarela e uma Mudança.
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Numa certa semana tempos atrás, houve um dia muito ensolarado com ventania e muita poeira solta no ar que impediu as pessoas de passarem por aqui. Naquele dia, depois de um vendaval com uma chuva passageira que lavou o chão empoeirado aqui da trilha bem como também das travessas de madeira deste velho banco, senti-me distanciado dos acontecimentos do mundo por falta de alguém que se sentasse aqui. Depois que tudo se acalmou e voltou ao normal, de repente apareceu um senhor com uma postura simples, mas com um rosto sereno e cheio de brilho que aqui se sentou. Senti-me confortado diante daquela surpresa repentina. Trazia em suas memórias um acontecimento muito valioso para o bom andamento do mundo. Um modelo vivo com alta expressividade no trato de um disfarce perfeito para esconder uma extraordinária qualidade de pessoa. Um extrato memorial de sua vida se expressa assim: Numa fase de sua vida que não apresentava nenhuma conquista material, vivia ele em uma casinha simples em uma moradia à beira de um córrego em um bairro pobre da periferia da cidade, tendo a vista da janela de seu barraco a visão de uma frágil e mal assentada passarela de velhas tábuas de madeira sobre um pequeno riacho por onde passavam com dificuldade as pessoas que moravam ali por perto naquela região do extremo da cidade. Sob a passarela corriam as águas que carregavam dejetos das casas da redondeza. Este senhor vivia da coleta de tralhas espalhadas pela cidade, que depois de separadas encontrava alguma coisa de valor que pudesse ser vendida para levantar algum recurso para se alimentar. Vivia sozinho e não tinha família. Nos dias em que ficava em casa se postava em uma pequena janela do seu barraco que dava uma visão bem nítida para a passarela onde presenciava com frequência a dificuldade que todos tinham ao passar sobre ela. Não havia um só dia em que uma ou duas pessoas acabavam caindo no riacho do esgoto onde muitas vezes perdiam suas parcas comprinhas de feiras e de mercados que junto com a pessoa acabavam caindo no córrego sujo. Para ele era doloroso presenciar aquele fato sem poder fazer nada. Isto se repetia durante dias e semanas sem que houvesse uma mudança de acontecimentos. Faltava um corrimão que servisse de apoio para a passagem das pessoas. O local era tão estranhamente impróprio para a passagem de pessoas que não dava para se colocar um corrimão. A mente humana é uma poderosa ferramenta para a sua sobrevivência que muitas vezes surpreende a todos. Como o local em que aquelas pessoas viviam ficava perto de um pequeno porto, ele se lembrou de uma dessas cordas grossas que servem para atracar navios em portos jogada fora depois que um navio afundou. Reuniu algumas pessoas perto de onde morava e juntos, trouxeram todos a corda grossa e pesada até perto da passarela. Sob a orientação deste senhor, fincaram duas estacas de madeira, uma em cada ponta da passarela e fixaram a grossa corda em cada uma das extremidades da passarela atravessando-a de ponta a ponta à altura dos ombros das pessoas. Pronto! Ali estava uma corda corrimão esticada adequadamente. Uma ideia altamente produtiva e louvadamente salvadora. A partir deste dia ninguém mais caiu no córrego de esgoto. Todas as vezes que o senhor estava em casa se postava na janela para ver as pessoas atravessarem na passarela com mais segurança sem medo de cair no esgoto. Ele ficava feliz. Externava com sorrisos a sua alegria pelo que tinha feito.